Chegar é o que me tira o sono, se fosse apenas partir, algo como um abandono ou desapego. É sempre tempo de chegar. Eu pego a mala errada, você derruba o chapéu, engraçado não saber o seu nome.
O que me
acalma é o trajeto. E eu já te sabia ali.
É tempo de
se esbarrar e sonhar com a textura do seu paletó no meu antebraço. É isso o que
eu tenho, ¾ do seu rosto, o roçar da sua manga e um nome que eu te dei. Pouco
importa essa mala errada, mais leve que a minha. Não compreendo os movimentos
de partida. Pra mim tudo é sempre chegada. Eu admiro as pessoas nos cafés,
impecáveis, comendo biscoitos parecendo pinturas e ah, não me encaixo nesse
quadro, que eles sejam ali quadros bonitos, faço minha parte em só olhar. Acumulo nos cantos da mala o que eu preciso,
nunca peso a bagagem. Abro a mala e tenho quatro ou cinco
coisas que condensam a minha história e mostram ao novo quarto quem chegou e a
que veio.
Pra quem
nunca ancorou, à deriva é lar. E você me perguntava até quando eu ficaria...
pergunta mais boba de se fazer! O calendário é feito à mão, desenhado sobre a
mala. E você me perguntava... coisa mais besta “querer saber”. Um dia paro num
buraco dum caule duma árvore e vou pensar na sua orelha, na sua suíça e mais na
terça parte do seu rosto, do osso forte do seu nariz e vou soprar sozinha. Pra
mim tudo é sempre chegada. Aí você vai saber aonde eu estou,
vai até me dar um nome e vai me perguntar. E vou dizer que aquela mala nem
minha era, você deveria saber que eu não levo sabonetes caros e camisolas
cor-de-nada. Você me pergunta de novo. Chegar é já estar.
O vento
soprou pra Leste e você acreditou. O vento sempre esteve parado ao seu lado
como um grilo falante, mau agouro, papagaio de pirata, sei lá. A minha mala foi
parar no mar. Dramático? Cê acha? Tudo bem... eu não sei onde ela foi parar, se é que ela tá parada no mar.No balcão de extravio digo que ela é marrom, com uma fivela prateada e uma fita vermelha (lembra? eu te disse que era uma mala poética), dentro tem um desenho de perfil barbudo que você é, tem água, velas e um punhado de terra vermelha. Na etiqueta não se consegue ler o nome, são adesivos de muitos destinos sobrepostos.
Aí você me acha desvairada.
Mal sabe você que o meu vento aprendeu a parar porque entendeu seu ombro como porto.